TEXTO de Ana Regina Rêgo- Sobre o Circulo da Sustentabilidade da Cultura

Ana Regina Rêgo

            Sustentabilidade, palavra em moda há cerca de uma década, carrega em si um arcabouço de conceitos que são adaptados a cada área do conhecimento, ou a cada campo da vida em sociedade, os mais comuns referem-se à sustentabilidade ambiental e sustentabilidade financeira. Contudo, tem-se a nítida impressão de que ao falarmos de sustentabilidade estamos falando de um estágio em determinado campo, por exemplo, no meio-ambiente, em que se alcança um equilíbrio imutável. Seria, portanto, um patamar aonde os problemas se minimizam ou não mais existem.
            Todavia, é necessário ponderar que uma situação de equilíbrio em determinado cenário, pode tornar-se uma situação de tensão em outro, por exemplo, no campo econômico, em que as crises acentuam as necessidades e, os limites impostos para a sustentabilidade financeira das empresas são gradativamente negociados e adaptados à nova realidade. Por outro lado, até mesmo a preservação da natureza defendida em larga escala em um momento de bonança, pode ser considerada demasiada, ou mesmo, tornar-se um empecilho para a sobrevivência humana em outra conjuntura, e, vice-versa. Portanto, há que se ter em mente que a sustentabilidade é um algo almejável e que necessita de constantes cuidados e adaptações, com vistas a preservá-la.  O equilíbrio pretendido deve ser negociado momento a momento, considerando que no caso da natureza, os constantes abusos podem levar a extinção da própria vida na terra.
            No campo cultural, entendido, nesse momento, como o campo estético-artístico e sua movimentação no mercado; o termo sustentabilidade adquire algumas vezes, sentidos que nem sempre se coadunam, considerando o que cada artista entende como sustentabilidade. Para muitos significa sobreviver da arte que produz, para outros significa sucesso e grande visibilidade, para outros tão somente produzir arte com a qualidade desejada e fazê-la chegar a um público qualificado, sem a pretensão mínima de alcançar os patamares midiáticos, muitas vezes, evitando, propositalmente, a mídia.
            De qualquer modo, para a grande maioria dos que produzem e vivem de arte e atividades criativas, a sustentabilidade financeira faz parte dos objetivos almejados, com menor ou maior intensidade, contudo essa sustentabilidade no campo cultural é marcada por um círculo que se renova diariamente e que envolve desde o planejamento, ao projeto, a busca incessante por fontes de financiamento, a efetivação do produto ou serviço, a visibilidade alcançada e a experiência proporcionada ao público, que ao final vai gerar valor e, portanto, reputação que o credenciará a nova empreitada em um futuro próximo.
            Há, portanto, que se ter em mente que não existe uma perenidade no mundo cultural, nem mesmo as instituições de grande projeção, visibilidade e alcance de público estão livres da luta diária por fontes de financiamento necessárias para mantê-las funcionando por determinado período, definido comumente, em planejamento a curto, médio ou longo prazo. Nesse sentido, é que as parcerias público-privadas vêm agindo de forma propositiva na manutenção de espaços culturais por prazos determinados, pois ao tempo em que se agrega valor para as empresas que passam a gerenciar os espaços de cultura, se viabiliza a manutenção dos mesmos. Entretanto, até mesmo nesses casos, as empresas privadas que passam a manter determinados equipamentos, ao realizarem seus planejamentos procuram nos mecanismos de captação de recursos, os que mais se adequam ao perfil da empresa e do espaço cultural. No Brasil, as leis de incentivo à cultura através da renúncia fiscal do Estado, ainda são o principal mecanismo de captação de recursos.
            Desse modo e nessa conjuntura de um mercado cultural de grande concorrência na captação dos recursos, na fruição, visibilidade e consumo,  é imprescindível ter consciência da necessidade de capacitação dos agentes que atuam no setor, capacitação  para a gestão do processo em que se situam, o que significa ter um entendimento mínimo de planejamento e de gerenciamento financeiro, sintetizando, de gestão e controle.
            Mesmo que nosso perfil enquanto artista, esteja muito mais voltado para a produção da nossa arte e somente para isso, desejamos nos dedicar, é necessário que tenhamos ou que venhamos a desenvolver  um pouco do perfil de empreendedor, de visionário, usando nossa criatividade para além da manifestação cultural a que nos dedicamos,  pensando  em como podemos fazê-la circular, ser vista e consumida em nosso meio, ou, dependendo do grau de nosso desejo, ser difundida para um número maior ou menor de pessoas.
Em muitos momentos, no mundo da cultura,  temos que assumir  a função de administrador com intensa atividade de planejamento e visão holística do processo que nos envolve. Nesse instante, nos preocupamos com a entrada e a saída de recursos, com o retorno financeiro, mercadológico e institucional que podemos ou não dar a nossos incentivadores, patrocinadores, parceiros, etc.
Assim é que penso efetivamente que para atuar hoje no campo cultural, precisamos de uma identidade múltipla que nos permita ser criativo, empreendedor e quando necessário, que sejamos também gestores dos processos de criação, produção e fruição dos produtos culturais em que estamos envolvidos. Há, portanto, um gap a ser vencido pela maioria de nós e o passo principal para se vencer essa etapa é o interesse em aprender a desenvolver habilidades e competências latentes em cada um de nós, que podem ser moldadas ao que desejamos para o nosso ambiente cultural.
Considerando que o capital cultural passa pelo reconhecimento dos que compõem o campo e que para tanto é necessário visibilidade, que pode ser restrita ou pode alcançar grandes proporções midiáticas; considerando ainda que a aceitação pelos pares concederá credibilidade que ao lado da visibilidade credenciarão o artista para captação de recursos, em um círculo crescente; vale ponderar que os caminhos que devemos seguir para criar e produzir com qualidade, a partir do acesso aos recursos mínimos para a produção inicial, passam pela compreensão de que é preciso aprender para empreender.
Por fim, pondero que embora, a priori, seja complexo ter dois focos de atuação tão distintos como a criatividade para a arte e o investimento de energia no processo de gestão; mesmo que se possa contar com uma equipe ou com produtores culturais, faz-se necessário em determinados momentos assumir os dois papéis e nesse momento é preciso ter o conhecimento necessário para que a sustentabilidade, mesmo que pontual aconteça. O ideal é que o potencial criativo seja também  utilizado no processo de gestão, fazendo a diferença não só pelo produto cultural, mas pelo modo como se produz e se apresenta ao seu público. 

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