ENTREVISTA


Antunes Filho - diretor teatral

"Vem cá: onde é que vocês vão à noite, nos botequins? Vou começar a freqüentar. Estou voltando à sede de brigar", anuncia José Alves Antunes Filho, 75. Quem, dos anos 80 para trás, viu e ouviu o diretor teatral aos gritos em saguões ou platéias, desancando espetáculos que considerava ruins, não estranha os ânimos ressuscitados.

Antunes Filho critica o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (2002), uma conquista da classe por meio do movimento Arte contra a Barbárie (R$ 7,2 milhões neste ano).


Questiona critérios das comissões e fato de grupos serem contemplados mais de uma vez (Oficina, Folias, Engenho, Vertigem, Fraternal, Cemitério de Automóveis, As Graças etc.). "Está virando o teatro dos compadres", diz.


O coordenador do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), mantido pelo Sesc-SP, também fala (pouco) de "Antígona", terceira incursão pela tragédia grega.


Uma das novidades da montagem, que deve estrear entre março e maio de 2005, é a introdução de um coro feminino, as bacantes, na história que Sófocles escreveu há cerca de 2.500 anos. Baco, divindade romana também conhecida por Dioniso entre os gregos, surge como personagem.


Filha de Édipo, cuja estirpe é amaldiçoada, Antígona tenta driblar o decreto do rei de Tebas, Creonte, que proíbe na cidade o enterro do irmão dela, Polinice, morto em combate com outro irmão, Eteocle.



Em São Paulo, uma mobilização da classe teatral resultou na Lei do Fomento.......


Pena que isso só seja feito para conseguir verbas, e não para criar um simpósio cultural para discutir o ator, o papel do diretor, o papel do crítico, o papel do autor. É importante a lei, conseguir essa verba, desde que vá propiciar a sua pesquisa. Mas as pessoas que estão recebendo fazem um teatro de maneira tradicional. Isso não é correto, deveria dar um puxão de orelha, ter uma avaliação. Como seria a avaliação no teatro, hein? Seria gozado... Em nome da inclusão, está entrando tudo. Está entrando e sufocando, jogando pela janela os antigos. É uma inclusão cega.


O fomento está em vigor há pouco mais de dois anos. Não seria uma questão de aprendizado, de ajustes?


Precisa cair a ficha, ter mais um pouco de consciência. Estamos sendo permissivos. Não libertadores, mas libertinos. Você sabe que eu não sou do teatrão, então posso falar do lado de cá. O teatro de pesquisa deve ser mais bem avaliado. Não é qualquer coisa, qualquer um que vai lá e faz. A administração do PT foi boa, mas deveria ter tido mais critérios. Foi muito partidária. O que me chateia no PT é essa coisa dos partidários, de não dar chance aos outros. Não é comigo, mas com uma porção de gente maravilhosa que faz teatro e não teve chance, não recebeu nenhum tostão, foram discriminados. E tem pessoas que receberam três, quatro vezes. Por que a inclusão só para os partidários? Eu lamento isso. Se continuasse na prefeitura, a Marta [Suplicy], o [Celso] Frateschi, eu tenho certeza de que eles iriam modificar os critérios.


Você sabe que uma comissão seleciona......


O critério é o do compadrio.


As comissões se dizem norteadas pelo critério do trabalho continuado, que está previsto no fomento, daí a reincidência de grupos...


[Risos] Pára, eu não vou continuar. Você está me provocando. Não, não, não... Estou falando para você de avaliação. Quem avaliou os que ficaram de fora? E os que entraram? Quem avalia esse contexto? Quem? Os partidários? Ah, que engraçado [risos]. O compadre vai falar mal de compadre? É como o compadrio de alguns críticos que só falam bem dos amigos. Eu quero que você publique isso. Está virando teatro dos compadres.


Qual a expectativa quanto a Emanuel Araújo, o secretário da Cultura de Serra?


Esse cara é ótimo. Só quero saber o seguinte: peço pelo amor de Deus para esse cara ver quem é que está colocado do lado dele para ver teatro. Pelo amor de Deus, cuidado. Ele é um cara sério, honesto e interlocutor. Que ele seja iluminado para colocar uma pessoa de ética perfeita e de conhecimento perfeito de teatro, que não seja baboso, que não vá na onda do folclore pelo folclore. Tem um pessoal de teatro que gosta de ficar chorando a vida inteira, de chapéu na mão. Eu não acho isso uma atitude digna... Você vai dizer: "Ah, mas você trabalha no Sesc, tem tudo". Sim, mas tenho que provar a cada espetáculo que eu posso continuar trabalhando para o Sesc. A cada espetáculo meu eu estou começando. A gente se dá bem porque eu trabalho corretamente.


"Antígona" será a terceira tragédia grega, depois de "Fragmentos Troianos" [1999] e das duas versões de "Medéia" [2001 e 2002]. Qual o estágio?


Não dá para você fazer drama, tragédia ou comédia se não tiver técnicas específicas. Fiquei quase oito anos empacado nisso, mas agora acho que resolvi. Vamos dar um passo adiante. Você sabe muito bem que eu era um diretor-encenador [faz gesto ampliado dos braços e emite som gutural], e aí comecei a ser diretor-diretor, de querer ver o ator. O espetáculo passa, o ator fica. Pretendo um equilíbrio perfeito entre o ator e a encenação, com a técnica extraordinária que os atores do CPT estão tendo agora.


"Antígona" suscita várias leituras: o embate família-Estado, a heroína versus o vilão, o belicismo masculino......


A gente vai ter oportunidade de falar mais sobre isso na estréia. Antígona é tanta coisa, Creonte é tanta coisa, Ismene é tanta coisa. As palavras que a gente usa são ocas, neutras. Pensa-se que elas aceitam tudo, que podem corporificar os objetos, mas, por mais que você fale, não se consegue corporificar e discernir um objeto integralmente. A palavra é sempre precária. Essa redução maniqueísta é fruto da cultura comercial em que vivemos, da mentira, da moda, do vazio enciclopédico.


"Antígona" é isso que você imaginou e mais alguma coisa, ou menos alguma coisa.A concepção é de uma tragédia dupla, dá o mesmo peso a Antígona e Creonte?


Creonte e Antígona são uma tragédia. A Ismene é o elemento que coloca o fiel [da balança] entre um lado e outro. Sabe o que é bonito na tragédia? É a condição humana. Se eu disser para você que Creonte é só isso, estou matando a vastidão que temos dentro do coração, da alma.Como criou o coro, uma marca de seu teatro, mesmo quando não é tragédia?Há o coro dos anciões e o coro das bacantes, que inclui. Não se pode esquecer que Baco é patrono do teatro e de Tebas.
Valmir SantosFolha de São Paulo - dez/2004

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