Kazuo Ohno - ator, dançarino

O que é o butoh para o senhor?


É uma pergunta difícil de responder. Cada dançarino tem seu próprio butoh. Não existe um método, porque a dança é a expressão do interior de cada um. Por isso é singular em cada pessoa. Para mim, o butoh é, com palavras simples, apreciar a vida, minha e dos outros.
O senhor teve alguma influência da dança ocidental?
Posso dizer que tive influência do balé clássico depois de Isadora Duncan (1878-1910), que tirou as sapatilhas e começou a dança livre, rompendo com as formas do balé; também de Mary Wigman (1886-1973), que pertenceu à dança de vanguarda alemã dos anos 30 e uma das criadoras do expressionismo na Alemanha. A dança de Wigman era completamente diferente do balé e da dança de Duncan. Era uma dança que nasce no interior, na intimidade do ser humano.
Onde o senhor aprendeu a dançar?
No último ano da faculdade, em janeiro de 1929 , fui assistir à apresentação da dançarina espanhola Antonia Mêrce no Teatro Imperial, em Tóquio. Fiquei muito emocionado. Tive a impressão que era a dança da Gênese, da criação. Não sei outra maneira de explicar a sua arte. E, 50 anos depois, eu fiz a primeira apresentação de "La Argentina", baseada nessas memórias. Ao me formar pela faculdade de educação física Nihon Taiikukai Taisoo Gakko (atual Nihon Taiiku Daigaku), lecionei cinco anos no colégio Kantoo Gakuin em Yokohama, só para homens. Saí posteriormente para fazer um curso de dança de Baku Ishii para conseguir emprego em um colégio feminino e ensinar ginástica ritmica, mas também não achava muita graça nisso. Sentia a falta de emoção. Queria aprender e ensinar dança artística. Queria fazer a dança que expressasse sentimentos humanos, amor alegria, coisas da vida, natureza, universo. Comecei a aprender dança moderna no estúdio de Takaya Eguchi, que estudou na escola Wigman, em Berlim. Só em 1949, com 43 anos, fiz a minha primeira apresentação solo.

Como o senhor conheceu Tatsumi Hijikata ( um dos mestres que, com Kazuo e Min Tanaka , criaram o butoh nos anos 60)?
Ele assistia às minhas apresentações e um dia veio me visitar. Foi assim que nos conhecemos. Meu filho Yoshito começou a carreira com Hijikata na peça "Kinjiki", baseada na obra de Yukio Mishima, em 1959, que chocou o público e o mundo da dança do Japão daquela época.
E como surgiu o butoh?
Penso que meu butoh nasceu como o ser humano nasce do corpo da mãe, e aconteceu no momento em que interpretei a personagem Divina da obra "Nossa Senhora das Flores" (de Jean Genet), em julho de 1960. Nesse instante a minha vida brotou da escuridão e brilhou em cinco cores. Esta foi nossa (dele e de Hijikata) primeira apresentação e começamos a trabalhar juntos. Mas as primeiras apresentações que fizemos tinha mais as características de Hijikata.
Como foi o processo de transformação que o senhor sofreu até chegar ao butoh?
Eu penso que há algo em comum entre a energia de nascimento de uma vida e a do nascimento do Universo. Existe uma força centrípeta entre mãe e filho, como entre o Sol e os planetas do sistema Solar. Tudo o que existe nesse mundo é ligado profundamente com o Universo. Mas a dança moderna não incluia esses fenômenos básicos da natureza, as relações entre ser humano, morte, vida, amor, universo, natureza e outros temas essenciais, nem o expressionismo alemão. O envolvimento com estas questões foram nossos mestres e crescemos com elas. É isto que expresso no meu butoh.
Está havendo uma renovação na dança moderna japonesa?
Não tenho conhecimento de que alguém esteja fazendo algo realmente novo. Há muita gente que procura chamar a atenção só por ser esquisito, excêntrico. Mas não conheço ninguém que trate das questões filosóficas essenciais como as que eu trato. Talvez eu seja o único que as tento expressar. Não adianta pensar com a mente como é que se deve viver. A vida tem que ser descoberta no dia-dia O que apresento no meu butoh é tudo que eu vivo na minha vida. Premeditar as coisas nem sempre dá certo. Por exemplo, guerras, devastação do meio ambiente são feitas pelas pessoas que planejam demais. Acho que nós devemos dar mais importância aos sentimentos e respeitá-los.
Quantas vezes o senhor foi ao Brasil? E o que achou?
Já fui duas ou três vezes. Pode ser que volte de novo no ano que vem. Brasileiros são assim (ele uniu os braços num forte aperto de mãos). Eles me trataram muito bem. Em qualquer lugar que eu ia, sempre ficava cercado por muita gente. Fiquei impressionado pela minha popularidade no Brasil. Vi matérias sobre mim na capa dos jornais. Quando fui assistir à apresentação de "Macunaíma" (peça de Antunes Filho baseada no texto homônino de Mário de Andrade), eles souberam que eu estava lá e me convidaram para subir ao palco, e dancei com improvisação. Muitas pessoas organizaram festas para mim, inclusive o embaixador francês no Brasil.

Jornal: International PressEntrevista de Mário Kodama;Intérprete: Kunihiro OtsukaSeção: Lazer e Cultura - Página 5-BJapão, 24 de setembro de 1995

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